Sempre Rosalía

Sempre Rosalía

A tradução inaugural de Rosalía de Castro no Brasil

Sempre Rosalía

Valéria Gil Condé
Professora da área de Filologia Românica - DLCV-USP

Rosalía de Castro sempre circulou no meio literário brasileiro. Cecília Meireles, admiradora da sua poética, dedicara-lhe um poema. Henriqueta Lisboa traduzira dois de seus poemas em 1961. Entretanto, para que os leitores brasileiros conhecessem um pouco mais da poesia rosaliana, foi preciso aguardar por Ecléa Bosi. Foi em 1966, Ecléa, recém-formada em psicologia, cuja afinidade com a literatura já se materializara em uma tradução de Ungaretti, selecionou 30 poemas e os traduziu do galego e do espanhol para o português brasileiro, a partir de três obras da autora: Follas Novas, Cantares Gallegos e En las orillas del Sar.

Quem acolheu este projeto foi o galego José Velo (Pepe), dono da livraria e Editora Nós, em São Paulo no bairro do Paraíso. Ecléa o descreve como “um revolucionário humanista de velha cepa, cuja figura alta e magra lhe valera o apelido de Dom Quixote da Galiza.” O revolucionário Pepe Velo, participou da operação Dulcinéia, cujo ato político resultou no sequestro do navio português Santa Maria, com o intuito de reclamar a atenção do mundo sobre as ditaduras de Franco e de Salazar, em 1961. Após o ocorrido, exilou-se no Brasil. Em homenagem ao projeto, a editora incluiu no livro dois poemas em homenagem à poeta: de Federico García Lorca, “Canção de Ninar para Rosalia de Castro, morta” e “Para Rosalía de Curros Enríquez. Quem assina o prefácio desta edição é Guilherme de Almeida, intitulada “Galiza, pátria da canção”, cuja gênese remonta à tradição trovadoresca galego-portuguesa. A sinopse, escrita por Jacinto do Prado Coelho, situa Rosalía entre os “mais altos valores da poesia universal.” As ilustrações são da artista plástica Rita Rosenmayer, traços minimalistas de estilo inconfundível. Seus desenhos foram presença marcante nos livros de Hilda Hilst, Henriqueta Lisboa, Carlos Drummond de Andrade, Guilherme de Almeida, Lygia Fagundes Teles, entre outros. A antologia se intitula Rosalía de Castro. Poesias. Está dedicada à Cecília Meireles, conhecedora e admiradora de Rosalía.

A segunda edição, revisada e ampliada, foi feita pela Editora Brasiliense em 1987. As ilustrações são de Lia Figueiredo. Neste projeto, a tradutora apresenta a poeta e discorre sobre as suas obras: Cantares Gallegos, Follas Novas e En las orillas del Sar A recepção da crítica brasileira e portuguesa à primeira edição encontra-se expressa nesta segunda, cujos colunistas de jornais, professores de universidades brasileiras, críticos literários enaltecem a qualidade da tradução e a importância da divulgação da poeta para o mundo cultural brasileiro. O jornal O Estado de São Paulo, concomitante ao seu lançamento, publica resenhas críticas assinadas por Bruna Becherucci (1966) e por Otto Maria Carpeaux (1967). Nogueira Moutinho, em A fonte a Forma, em1972; Helena Silveira, em Folha de São Paulo (1966) e Nelly Novaes Coelho, professora de literatura da Universidade de São Paulo, n’ O Estado de São Paulo (1967). Entre os portugueses, Jacinto do Prado Coelho (1967) e Rodrigues Lapa (1967).

A partir deste período, este projeto tradutório abriu caminho para interessantes estudos acadêmicos sobre a poética de Rosalía no Brasil, mas ainda há muito a se fazer.

Esta tradução emana independência tanto no seu processo criativo, na harmonia das rimas, no acento silábico, como também no conteúdo. Não poucas vezes, Ecléa, em algumas passagens, optou por manter a imagem poética de Rosalía, inserindo notas explicativas, para que assim o leitor brasileiro pudesse penetrar no mundo rosaliano.

A produção intelectual da professora de psicologia social da Universidade de São Paulo está intrinsicamente ligada à poética de Rosalía, pois, ao longo de toda a sua carreira, Ecléa priorizou as diversas formas de desigualdade das minorias sociais em situação de estigmatização, discriminação e resistência. Além de Rosalía, as escolhas por traduzir Eugenio Montale (1968), Leopardi (1970) e Bosco Centeno (1990) refletem bem a sua visão de mundo.

A visita de Ecléa à Rosalía

Em julho de 1986, Ecléa visita a Galiza pela primeira vez e nas suas palavras, “o visitante que chega a Padrón poderá visitar a casa com pilares de pedra, coberta de hera, onde Rosalía morreu. Já no caminho reconhecerá com emoção as torres do Oeste sem precisar de outro guia além da memória de seus versos.” (Bosi,1987, p26).

E conclui: “não encontramos Rosalía, como pensamos, ao pé das fontes, mas numa passeata de jovens que invadiu a Praça da Quintana, em Santiago, bradando aos vivos e aos mortos, em bom galego, a sua sede de justiça, entre bandeiras vermelhas e azuis.” (Bosi,1987, p.27).

Referências

BOSI, Ecléa. Rosalía de Castro. Poesias. São Paulo, Editora Nós, Galiza Ceibe, 1966, 119 p.

BOSI, Ecléa. Rosalía de Castro. Poesia. 2ª ed. São Paulo, Brasiliense, 1987, 137 p.