Proxecto epístola

Agrupación de coleccións epistolares para a páxina institucional do Consello da Cultura Galega.

Nova Friburgo, 15-7-79


Querido Amigo Valentín Paz-Andrade,

Quando a sua carta de 22 de maio chegou ao Rio, eu estava dando um curso de trinta aulas em Belo Horizonte. Ao voltar, logo fiquei envolvido nos preparativos de minha mudança. Afinal, mudamo-nos para cá no dia 6 deste mês. Na paz destas serras pude enfim ler Cen chaves de sombra e agora posso responder à sua carinhosa carta.
Fiquei tristíssimo ao saber da morte do prefaciador e do ilustrador do seu livro. Lembro-me de ter visto quadros de Luís Seoane na Galicia. Quanto o Lorenzo Varela, o seu «Limiar» e o seu «Homenaxe Cativo» dão uma idéia de seu alto valor. Dou-lhe pêsames sentidos pela morte desses dois amigos fraternos.
O seu livro interessou-me prodigiosamente. Nele há de tudo: lirismo e épica, reminiscências poéticas de autobiografia e historia nacional, balada popular e poesia culta, meditação e balanço. Por meio dele, pode-se reconstruir o que foi a sua existência durante tantos anos trágicos. A mim também aquelas datas dizem muito. Na longínqua Hungria nós também sofríamos com as notícias terríveis que de 1936 em diante nos chegavam da Espanha. Já prevíamos naquele um ensaio do futuro que o nazismo nos preparava; e efetivamente, já em 1940 eu me encontrava num campo de concentração, de onde no ano seguinte partiria para o exílio. Sofríamos com a Espanha e a Galicia, embora quase nada soubéssemos a respeito delas. Agora que as conheço, que lhes entendo a língua e a mensagem, que nelas conto amigos queridos, que basta fechar os olhos para rever-lhes as paisagens –agora é que posso sentir retrospectivamente tudo o horror daquela época.
A sua poesia tem unha vibração particular: mesmo quando alude aos acontecimentos da sua própria vida, sente-se que você fala em nome de uma coletividade; e respira-se em toda ela uma dramaticidade profunda, aguçada pela íntima inspiração folclórica. Dou-lhe parabéns pela sua força, pelo seu dom de comunicação e por ter captado de maneira tão sensível o «genius loci». E felicito-o por não ter abandonado a poesia no meio das vicissitudes de uma vida tão ativa e por servir-se dela para exaltar a memória dos amigos mortos. O seu volume é uma obra de arte e um monumento: para mim completa a imagem que guardara da Galicia no fundo do coração.
No começo desta carta falei-lhe da minha estada em Minas Gerais. Aproveitei um fim de semana para dar um passeio a Cordisburgo, cidade natal do nosso inesquecível Guimarães Rosa. É um lugarejo minúsculo, de ar puro e rara beleza. Pensei em você na casa em que ele nascera e que hoje é museu.
Soube com prazer da excelente repercussão do seu livro sobre A galecidade na obra de G.R. em Cuba sob a pena do escritor Helio Dutra Domínguez. Ele tem razão ao indicar-lhe o acadêmico Antônio Houaiss como pessoa capaz de apreciar o seu ensaio (e, acrescento, a sua poesia também). O endereço de Antônio Houaiss é Avenida Epitácio Pessoa 4560, ap. 1302, Rio de Janeiro, 22471.
Como lhe disse, depois de passar 72 anos em capitais, acabamos de nos mudar a unha casa na serra (onde espero poder acolhe-lo um dia em companhia de D. Pilar). A mudança é grande demais. Por enquanto estamos organizando uma rotina para a nova vida e arrumando a biblioteca (O volume de Adovaldo Fernandes Sampaio deve encontrar-se em algum lugar entre os dez mil volumes ainda empacotados, logo que o encontre. Vou remetê-lo para o seu endereço) Espero poder dedicar o tempo que me resta à leitura e ao estudo.
Na verdade, mudamo-nos antes do que esperávamos. Nora só vai ausentar-se em setembro, mas prefere descer daqui uma vez por semana a permanecer no Rio. Neste momento, aproveitando-se das férias, estão conosco minha filha Laura, que estuda música na Universidade de Nova Yorque e a outra filha Cora, jornalista em Brasília, que trouxe consigo o marido, e os dois filhos. Procuramos aproveitar ao máximo esta rara oportunidade de ter a família reunida.
Drummond acaba de passar uma temporada na Argentina, o que me impedia de entregar-lhe em mão o seu livro de versos: mais deixei-o na casa dele com um bilhete.
Com meus respeitos a D. Pilar, aceite, caro Amigo, um abraço afetuoso de seu fiel


Paulo


PS. Nora manda-lhes saudações cordiais.

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