Proxecto epístola

Agrupación de coleccións epistolares para a páxina institucional do Consello da Cultura Galega.

Carta de Guilherme Almeida a Paz Andrade. 1967

20/10/1967
Guilherme de AlmeidaManuel ColmeiroValentín Paz-Andrade
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São Paulo, 20 de outubro de 1967

Caríssimo amigo Valentín:

Perdoe-me a demora na resposta à sua generosa carta de 1º de setembro. É que diversos impecilhos (uma terrível gripe foi o principal) não me permitiram lucidez bastante para apreciação do seu magnífico livro. Devorei-o com gula. Um García Lorca atualizado? Não sei. Sua poesia é sua mesmo: é a que eu escreveria se fosse o poeta e o galeciano puro que é você.
Tal livro não precisa de «Prefácio». Mas como não saberia eu nunca deixar de servir a você, imaginei essa carta, que é sincera, sentida ao longo da leitura da sua «Eira dos sonos». Se você julgar que ela merece aparecer à entrada do seu livro, será uma glorificação que lhe ficarei devendo. Vai ela em papel meu, pessoal, de sorte que, gravada em fotocópia, suponho que seria menos desinteressante.
Diga-me qualquer coisa a respeito. Suas órdens me serão sempre bemvindas.
Muito seu, de espírito e coração.



Guilherme




São Paulo, 20 de outubro de 1967


Valentín, meu Poeta:


A órdem que você me dá de prefaciar o seu esplendido Eira dos Sonos é a única que não a deveria dar você, nem a poderia eu obedecer. Por que? Sua poesia é sangue: nosso sangue, um mesmo sangue, da matricial Galiza aos filiais Portugal e Brasil ritmadamente fluido. Sínto-a em mim, palpitante mas intangível, assim como ao infante não seria possível tomar êle próprio o pulso ao seu cordão umbelical.
Foi daquêle meu Vigo de 1933 –de onde vi você trovar e vi Colmeiro lavrar- que me veio a veia alimentícia dêsse sangue: dêsse Vigo onde teve a sua côrte Dom Denis, Rei Trovador e Rei Lavrador. E, pois, terra de trovas e lavras, é a Galiza, assim, uma autenticidade histórica: êsse «matriarcado, arquivo da essência de uma raça», que marca, fundo, da primeira á última página, todo este seu lúcido livro, Valentín: êsse livro que é seu e é meu também, muito de meu sangue também. Deixe-me...
... deixe-me que lhe conte, amigo. Faz trinta e quatro anos que, estando eu em Santiago de Compostela, visitando a Catedral, aí descobri, na Capela do Santíssimo, creio eu, um vitral ofertado por uma dama cujo nome de família era «Andrade». Ora, eu também sou Andrade, do lado materno: descendente de um daquêles cinco cavaleiros que passaram à Espanha, à guerra dos Mouros, com o conde Dom Mendo, e foi seu solar a Vila de Andrade, no Reino da Galiza.
Somos irmãos, Paz-Andrade. Sou, portanto, suspeito para dizer desta sua forte, livre, lúcida, sadia, pura, bela poesia, na qual escuto, com você, «os querendosos chamamentos do lar»; beijo a paterna mão do lavrador cujos «dedos» abrem como cinco chaves as entranhas da terra desde Adão»; escuto também o plim-plim das «vozes unissílabas da pedra» que o canteiro juntou «ao pentagrama mágico do Mundo»; acompanho, na fimbria marítima, «a fenda que vai no céu abrindo o cutelo do lôna dos veleiros»; saudei os «bem-chegados ao porto, marinheiros, a cavalo nas ondas», sob o tutelar tatalar do «verde vento pela leira e vento azul pelo mar, panos da nossa bandeira»...
Valentín Paz-Andrade: Aqui tem você, nesta carta, o meu comovido «ex-voto» pela graça que recebo da sua milagrosa Poesia.



Guilherme

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